Férias com um significado especial Unir viagem de lazer a atividades de voluntariado é forma de conhecer lugares e, ao mesmo tempo, crescer como ser humano

Publicação: 10/11/2018 03:00

Em fevereiro de 2015, a turismóloga Talita Guedes, 31 anos, embarcou para mais um destino de férias. Naquele ano, ela escolheu ir para Kibera, uma das maiores favelas do mundo, onde vivem 1 milhão de pessoas, dentro do Quênia, um país em que a Aids é endêmica. O roteiro não convencional mudou a vida dela para sempre. Depois que voltou, Talita iniciou um projeto social de incentivo à leitura no sertão pernambucano. É assim que costuma acontecer com os chamados “volunturistas”, pessoas que trocam o tempo livre de férias por uma viagem de voluntariado.

De acordo com a agência CI Intercâmbio, no ano passado houve um crescimento de 15% na procura de programas de viagem de trabalho voluntário, comparado com 2016. A maioria dos interessados são adolescentes e adultos jovens, entre 18 e 30 anos. “Estamos na era da experiência. Há uma procura pelas férias com significado. É uma viagem que pode mudar a trajetória do ponto de vista de valores pessoais e profissionais. É um acesso a um mundo de generosidade”, afirma o presidente da ONG Novo Jeito, da plataforma Transforma Recife e do Porto Social, Fábio Silva.

Na Volunteer Vacations (VV), empresa brasileira dedicada a esse tipo de viagem, as mulheres chegam a ser 90% do público. Perfil que abarca a própria idealizadora e cofundadora da VV, Mariana Serra. “Com 27 anos, comecei a questionar o propósito do meu trabalho em uma multinacional. Conheci o conceito de ‘volunturismo’ e decidi empreender unindo meu amor por viagem e voluntariado”, conta. No primeiro ano de funcionamento, a empresa levou 50 pessoas para projetos sociais dentro e fora do Brasil. Hoje, a média é de um por dia, mais de 300 por ano.

Os destinos costumam estar fora da curva da rota tradicional do turismo. As opções vão desde atuar no Sertão pernambucano ou numa favela do Rio de Janeiro até a trabalhos com refugiados na Jordânia. As pessoas vão atuar em ONGs parceiras das agências, morando e comendo na comunidade escolhida. “Damos prioridades àquelas organizações que são desenvolvidas por pessoas locais, para o empoderamento delas”, diz Mariana. A VV oferece 19 destinos. Já a CI, sete destinos, sendo o mais procurado a África do Sul. “Existem projetos para cuidar de crianças em orfanatos, para reabilitação de animais domésticos, esportes e atuação em projetos de saúde”, explica a diretora da CI Recife, Larissa Bittencourt.

Antes de ir, ela recomenda que os voluntários procurem projetos que sejam adequados ao seu perfil profissionais. Na VV, os voluntários são capacitados para que possam causar um impacto efetivo na comunidade e não realizar apenas ações assistencialistas pontuais, mas algo que possa ser continuado pelos voluntários locais. O ideal, explicam os agentes, é que a viagem seja planejada com o mínimo de três a seis meses de antecedência. Além da experiência, a viagem de trabalho voluntário nas férias agrega na formação técnica e na aprendizagem de novos idiomas.

Talita tirou dinheiro da poupança e realizou trabalhos extras para poder ir ao Quênia. “A gente atuou com aulas de reforço em uma creche e de finanças e planejamento estratégico para empreendedores locais. Para mim, foi transformador. Um divisor de águas, percebi que poderia agir muito além de ações de doações de alimento e água”, lembra ela, que criou o projeto de incentivo à leitura Ciranda Sertaneja logo depois que voltou. Com o ciranda, já formou mais de 60 professores, reformou escolas e doou mais de 800 livros a escolas. Hoje, traz voluntários estrangeiros para passar férias ensinando crianças pernambucanas a lerem na cidade de Manari.